domingo, 22 de julho de 2007

Um assunto é sempre bom.
Nem podia ser diferente.
Mas entre a palavra e o gesto,
eu me decido pelo gesto.
Sobretudo, quando o gosto me apraz.

Mesmo que se tenha fome, ninguém come o gesto. Prová-lo é tudo o que se faz. O sabor do gesto refaz o novo, o velho mito do que é ruim, do que é gostoso. Mas não se engane: também sou do contrário, assim mesmo, indigesto.

Mas vim palavra. Palavra alongada! Palavra margem, palavra cais, palavra viagem.

Pa-la-vra.

Apesar disso,
só as vogais
sabem
cantar minhas frases.

O que há em mim de escriba é grego.
As consoantes explodem, chiam,
Engasgam, arranham e pegam fogo.
Meu pai disse que são espinhos
e que espinhos não se come.
Fiquei triste,
porque meus olhos têm fome de jardim.

Depois disso, contei todos os crisântemos e todas as tulipas do mundo. Descobri que enquanto houver nome e número haverá carta e mensageiro para as flores. Haverá quem as regue e quem as entregue. Haverá quem tempere, quem adoce e quem adestre as abelhas. Haverá folhas pelo chão de papel-outono.

E, se o poeta tem mais tinta que caneta,
é preciso pintar o vôo,
o zumbido dos assuntos
e a dança de todo gesto.

Picasso foi um assunto agudo.
Gauguin, um gesto interno.

Seis horas.
Ela já vem vaidosa.
De corpete, liga e lingerie
A noite é uma fêmea impecável.
Sombra e rímel realçam a malícia.
As unhas compridas aguardam o descuido das presas.
São fantasmas que, como eu, percorrem os becos em busca de gozo fácil.
Sete e meia.
O amendoim salgado alegra o gosto adocicado da cerveja.
Mulheres passam tingindo pêlos, passos, pensamentos.
O que há em mim de fantasma não se apressa.
O blefe da noite é comprido.
Os jogos noturnos implicam em baralhos sutis.
São lances de olhares, coringas febris e damas que trocam seus pares.

Oito e quarenta e sete.
Um fantasma perambula pelas ruas da cidade.
O mistério dessas margens é fazer dos habitantes uma ilha.
Por não saber nadar, fico preso, seco e viro pó.

Dez gramas e meio.
Agora, o copo é de uísque.
Novos fantasmas sorriem pra mim.
Desenvolvo argumentos fantásticos que nunca usei.
Pensá-los assim, tão vivos, alegres, arregalados, assusta.
Da janela, uma mulher astuta me deseja.
Ou deseja apenas o que a língua acusa.
Um ácido e meio.
A ilha inteira flutua.
Surfistas abotoam o vestido das ondas.
Por que meus pais não me contaram essa história?
Bang jumpo-me do mundo!
Duas torradas com pasta de cogumelo.
Tudo são garçons e cadeiras.
Corro e caio e exponho os ossos.
Ergo-me Lobato, Cobra Norato, Aladim.
Os ladrões de Ali Babá já somam dezesseis Bentos.
Coelho é outro Paulo de bosta!
Alice já foi ao banheiro.
Bovary, ao convento.


Cinco ecstasys e meio da madrugada.
Pouca ilha...muita água.

(Charles Silva)





Quem pode com a Arte?



Quem pode com a
arte A água desabou
todo chuá que pode Quando
veio o sol o artista pintou o muro
da cidade com limo verde A terra

tremeu feio Foi richter prum lado
escala pro outro Crianças e velhos se
foram Cachorros e plantas se foram Também
os pássaros se foram O incrível poder dos homens maus
cuidou das tábuas e pedras e vigas e ferros Os homens maus

não morreram Por cima dos escombros o
artista escreveu um poema pra vida O fogo
inventou de mostrar suas cores primárias A língua
ígnea decorou a terra toda de cinza Mais tarde no meio
da fumaça o artista

dançou O ar poluído pelo preço do mundo diminui
a felicidade pulmonar Incapaz de fazer fotossíntese
o ser humano adoece Exangue o sol escalda Fere o lago
o mangue o extra extra da manchete O planeta baterá as
botas A vida dá sinal de parar A arte não desce

Te encontro amanhã no cinema

(Charles Silva)


para comentar um poema

a gente faz uso

da mesma pena



a maria é diferente

a ave é a mesma

(Charles Silva)


as pessoas
agora
só lêem o que é
pequeno

pequeno
não é uma palavra
pequena


é

as pessoas
agora
estão

sós

e
pe
que
nas
.

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